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A porta que não se abriu: o embate entre fé, imagem e política no episódio Arruda

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Há cenas na política que dizem mais do que longos discursos. A de José Roberto Arruda tentando entrar em uma convenção da Assembleia de Deus de Brasília (Adeb), no último sábado (25), é uma delas. O gesto, que parecia simples — o pedido por uma oração —, transformou-se em um episódio de constrangimento público e em uma metáfora sobre o peso do passado na trajetória de quem tenta se reinventar politicamente.

Arruda, ex-governador do Distrito Federal, chegou ao evento em Taguatinga afirmando que desejava apenas participar de um momento de fé. O encontro, no entanto, era reservado a pastores credenciados. Ao ser barrado, discutiu, insistiu e, diante da negativa, acabou vaiado e convidado a se retirar. As imagens viralizaram nas redes, transformando o que poderia ter sido um gesto discreto em um ato de repercussão nacional.

O episódio expôs um ponto sensível na relação entre política e religião: a tênue linha que separa o gesto sincero da tentativa de performance. O templo, nesse caso, funcionou como espelho — refletindo não apenas o constrangimento de um político em busca de redenção, mas também o cansaço de uma sociedade que começa a rejeitar o uso da fé como ferramenta de marketing.

Arruda, que carrega o estigma da Operação Caixa de Pandora e de anos de inelegibilidade, tenta reconstruir sua imagem desde o retorno à cena pública. Mas a tentativa de vincular essa reaproximação à religiosidade acabou soando artificial. No vídeo, o desconforto é nítido: de um lado, líderes religiosos tentando preservar a ordem; de outro, um ex-governador incapaz de lidar com a recusa — um gesto simbólico de um sistema que já não o reconhece como figura central.

O caso vai além do constrangimento momentâneo. Ele revela uma mudança silenciosa no ambiente político-religioso do DF. As igrejas, antes vistas como terreno fértil para discursos de recomeço, têm demonstrado maior cuidado com a imagem institucional e com o risco de se tornarem palco para ensaios de autopromoção.

O recado, ainda que indireto, foi firme: não há atalhos para a reconstrução da credibilidade. Fé, arrependimento e humildade são processos que não se impõem diante das câmeras — exigem tempo, silêncio e coerência, três elementos que a política raramente oferece.

Ao deixar o local sem a oração que pediu, Arruda talvez tenha recebido outra forma de resposta. Há portas que não se abrem por insistência, mas por transformação. E, na política brasiliense, o episódio deste sábado pode ter sido menos sobre o fechamento de um templo — e mais sobre a constatação de que certos caminhos de volta ainda permanecem interditados.

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