No Hospital Regional de Santa Maria (HRSM), cada detalhe do atendimento destinado a pessoas com deficiência tem sido repensado. O objetivo não é apenas cumprir protocolos, mas criar uma experiência que respeite limites sensoriais, emocionais e físicos. No Dia Internacional de Luta das Pessoas com Deficiência, celebrado nesta quarta-feira (3), o hospital mostrou como essa mudança já transforma a rotina de muitas famílias, entre elas a de Victor Cauã, 13 anos, que vive com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
A mãe do adolescente, Daniele Fernandes, diz que nunca imaginou ver o filho viver uma consulta odontológica com tranquilidade. Por anos, o simples deslocamento até uma unidade de saúde significava crises, choro e desgaste. No HRSM, a realidade foi outra. Para ela, o que encontrou ali foi um atendimento comprometido com o bem-estar real do paciente. “Foi a primeira vez que senti que olharam para o meu filho como alguém que tem um jeito próprio de viver o mundo. Quando isso acontece, tudo fica menos pesado”, afirma.
O acesso ao serviço veio após encaminhamento da Unidade Básica de Saúde de referência. Daniele conta que o processo foi rápido e que logo a equipe do dentista Diego Sindeaux assumiu o caso. Em um único dia, Victor conseguiu passar por extração, restauração e limpeza, procedimentos que, em outros contextos, levariam semanas para serem tentados. Ela atribui o sucesso à postura dos profissionais. Segundo Daniele, “a equipe explica, espera, adapta e não força nada. Esse cuidado muda completamente o clima da consulta”.
A sala de atendimento destinada às pessoas com deficiência é resultado de anos de aprimoramentos. O espaço foi reorganizado para ser maior, silencioso e com possibilidade de controlar estímulos, algo essencial para crianças com hiperssensibilidades. Ali, a regra é simples: o ambiente se ajusta ao paciente, e não o contrário. Isso inclui manejar luzes, reduzir sons, trocar instrumentos e até inserir elementos que tragam segurança emocional. Há casos em que filmes, desenhos ou músicas ajudam a manter o nível de ansiedade controlado.
Para Diego Sindeaux, a personalização é o centro de tudo. Não existe um padrão único, porque cada pessoa responde de forma diferente. Ele conta que pacientes autistas representam boa parte da demanda e exigem uma escuta ativa. “A família sempre nos guia. Cada informação sobre rotina, sensibilidade ou preferência se torna essencial para construir o atendimento. Já adaptamos procedimentos inteiros porque o paciente só se acalmava com um tipo específico de música”, comenta.
O consultório também foi equipado para acolher pessoas com limitações físicas e condições clínicas complexas. Portas mais largas, espaço para manobrar cadeiras de rodas e régua de oxigênio para pacientes traqueostomizados ou em uso de respirador fazem parte da estrutura. A equipe atende desde crianças com síndromes raras até adultos que passaram por Acidente Vascular Cerebral (AVC) ou estão em preparação para transplantes. Casos mais simples, como deficiências auditivas ou visuais, podem ser tratados em unidades básicas, por isso o hospital concentra situações que realmente exigem um ambiente especializado.
A agenda mensal, organizada pelo Sistema de Regulação da Secretaria de Saúde (SISREG), inclui entre 28 e 30 consultas. Além disso, uma média de cinco atendimentos espontâneos ocorre a cada mês, principalmente em situações urgentes. A capacitação dos profissionais é contínua: a equipe recebe treinamento para comunicação clara, manejo comportamental e adaptação de ambiente, garantindo que o atendimento seja seguro e menos estressante.
A chefe do Serviço de Odontologia e Cirurgia Bucomaxilofacial do HRSM, Erika Maurienn, destaca que o impacto desse modelo de cuidado vai além do resultado clínico. Para ela, preparar o ambiente para receber pessoas com deficiência é uma forma concreta de promover inclusão. “Quando a consulta é pensada para respeitar quem está ali, o atendimento deixa de ser um obstáculo e vira um caminho possível. É isso que queremos construir todos os dias.”
A postura do HRSM não se limita ao atendimento odontológico. No fim de outubro, o hospital inaugurou o Espaço Humanizar TEA, o primeiro ambiente sensorial da rede pública do Centro-Oeste voltado exclusivamente a crianças autistas. O espaço foi planejado a partir da observação das dificuldades enfrentadas por famílias atípicas durante longas esperas hospitalares. O local reduz estímulos, oferece segurança e permite que as crianças tenham um refúgio adequado enquanto aguardam atendimento.
O ambiente também pode ser usado de forma terapêutica. Quando necessário, equipes multiprofissionais realizam intervenções diretamente no espaço, evitando deslocamentos para áreas com maior movimento ou ruído. A proposta nasceu de uma percepção simples, mas profunda: muitas crises e dificuldades poderiam ser evitadas se houvesse um lugar em que a criança pudesse se regular antes da consulta, e agora esse ambiente existe.
Todas essas iniciativas são desenvolvidas em uma unidade administrada pelo Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (IgesDF), que, segundo os profissionais, vem permitindo avanços importantes na estruturação de práticas humanizadas. Na avaliação da equipe, o fortalecimento de espaços especializados não apenas melhora a experiência do paciente no presente, mas cria um modelo de cuidado que pode servir de referência para outras regiões.
Com iniciativas assim, o Hospital Regional de Santa Maria demonstra que humanizar não é apenas suavizar o atendimento. É transformar a experiência das famílias desde o primeiro contato. E, para quem convive com deficiência, esse tipo de sensibilidade faz toda a diferença.


