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PT quer ‘suavizar’ PL que equipara aborto a homicídio, mas texto ainda punirá mulheres

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Após a Câmara Federal aprovar a urgência para o Projeto de Lei 1904/2024, que equipara o aborto de fetos com mais de 22 semanas ao crime de homicídio, o PT encabeça uma negociação para que o texto seja “suavizado” antes de ser votado em plenário, segundo apurou a Agência Pública

A ideia é que o projeto passe a proibir especificamente os casos de assistolia, uma técnica que interrompe os batimentos cardíacos do feto em gestações avançadas e que é recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um procedimento seguro e eficaz. A mudança foi discutida em acordo de líderes do partido antes de a urgência ser aprovada.

A estratégia do PT é contestada por especialistas consultados pela Agência Pública. Para a médica Helena Paro, ginecologista criadora do primeiro serviço de aborto legal por telemedicina do país e professora da Universidade Federal de Uberlândia, “proibir a assistolia seria proibir, na prática, o aborto acima de 22 semanas”.

“Não existe outro curso terapêutico possível que não envolva a assistolia nestes casos”, explica. “É uma tentativa de minimizar o que estão fazendo, que é um ato de crueldade com meninas e mulheres. A assistolia faz parte do procedimento, então é um eufemismo para tentar dizer que não são tão maus assim”, diz Paro.

“Penso que proibir assistolia fetal é antiético, pois restaria um aborto induzido com possível expulsão de feto com grave e iatrogênica (causada por profissional de saúde) prematuridade”, afirma o médico Cristião Rosas, representante no Brasil da Rede Médica pelo Direito de Decidir. Para ele, os políticos precisam ouvir a população. “Precisa combinar com as mulheres se elas querem isso mesmo.”

Segundo fontes do partido ouvidas pela Pública em condição de confidencialidade, o líder do PT na Câmara, Odair Cunha (MG), negocia para que a mudança conste no projeto de lei quando ele for analisado no plenário. Com a aprovação da urgência, o texto não terá que ser debatido em comissões da Câmara e pode ser colocado em pauta a qualquer momento.

Cunha é militante católico e foi autor de projetos de lei que dificultam o aborto legal. Um deles trata do “estatuto do nascituro”, um conjunto de direitos para o feto desde a concepção. O código civil brasileiro atualmente prevê que o feto só possui direitos após o nascimento com vida. O deputado também já integrou frentes parlamentares contra o aborto.

Ele encontra resistência para a versão considerada “suavizada” de seus colegas de partido. “A maioria da bancada é contra, mas ninguém tem coragem de assumir. Virou uma guerra santa”, disse um deputado do PT. O PSOL também se recusa a endossar a nova proposta.

O autor do projeto, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), ouviu a proposta do PT, mas reluta em referendar a sugestão. Ele consultou outros deputados que assinam o texto, mas a maioria se mostrou contrária a abrir concessões. A decisão final sobre o que será colocado em votação cabe ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Por eleições, governo Lula decidiu não interferir 

Ainda de acordo com as fontes do PT ouvidas pela reportagem, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu não interferir diretamente na votação desta quarta-feira (12), com medo de que adotar uma posição contrária ao projeto de lei prejudicasse candidatos do partido nas eleições deste ano, principalmente entre o eleitorado evangélico. 

A votação foi simbólica, sem registro de voto individual. Somente depois que a urgência já havia sido aprovada, Cunha pediu para registrar a posição contrária do PT.

Antes da sessão, os ministros Silvio Almeida (Direitos Humanos) e Cida Gonçalves (Mulheres) haviam divulgado notas contra o projeto. Ambos consideram que a eventual aprovação da lei seria um retrocesso. 

Como está hoje, o projeto de lei penaliza mais as vítimas de violência do que os estupradores. Ele impõe que a gestante que interromper a gravidez com mais de 22 semanas cumpra pena de até 20 anos, mesmo nos casos previstos na lei. Presos por estupro têm pena máxima de seis anos.

O projeto foi protocolado no mesmo dia em que o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes mandou suspender uma resolução do Conselho Federal de Medicina que proibia a assistolia fetal – justamente o que, agora, o PT quer incluir no projeto de lei.

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