O Cerrado, bioma que abriga nascentes responsáveis por grande parte do abastecimento hídrico do país, volta a acender o sinal de alerta. Dados recentes de monitoramento por satélite mostram que o Entorno do Distrito Federal registra um crescimento contínuo de áreas desmatadas, impulsionado pela expansão irregular de loteamentos, avanço da agropecuária e queimadas sazonais.
As cidades mais afetadas — como Planaltina de Goiás, Padre Bernardo e Águas Lindas — formam uma espécie de cinturão ambiental em torno de Brasília, onde o crescimento urbano desordenado tem avançado sobre áreas de preservação e nascentes. Especialistas apontam que o ritmo de degradação no entorno é hoje o maior dos últimos cinco anos, pressionando diretamente a qualidade do ar e a segurança hídrica do Distrito Federal.
O impacto além das fronteiras
O problema ultrapassa os limites geográficos. Segundo técnicos ambientais, parte significativa da água que abastece o DF nasce fora de seu território, em regiões onde a fiscalização é precária e as políticas ambientais enfrentam barreiras políticas e orçamentárias.
“Enquanto Brasília tenta conter queimadas e preservar áreas verdes, o entorno cresce sem planejamento. Isso cria um efeito dominó que atinge diretamente o clima e os recursos naturais da capital”, explica o ambientalista e pesquisador Lucas Faria, ouvido pelo Evolução Notícias.
Pressão urbana e loteamentos irregulares
O crescimento populacional do Entorno é outro fator que acelera o desmatamento. O aumento da demanda por moradia tem estimulado o surgimento de condomínios e loteamentos sem licenciamento ambiental, muitos deles em áreas de recarga de aquíferos ou próximas a reservas.
Relatórios recentes de órgãos ambientais indicam que a ocupação irregular se expandiu 30% na última década em cidades vizinhas a Brasília. Essa ocupação, somada à falta de infraestrutura básica, tem provocado erosões, contaminação de nascentes e perda da vegetação nativa.
Governança e desafios políticos
A gestão ambiental do entorno enfrenta um impasse histórico: os impactos ambientais recaem sobre o Distrito Federal, mas a responsabilidade legal pertence aos municípios goianos. A ausência de uma política integrada entre o GDF e o governo de Goiás deixa lacunas na fiscalização e na execução de medidas preventivas.
Nos bastidores, técnicos do setor ambiental defendem a criação de um consórcio interestadual permanente entre DF e Entorno para atuar na preservação das áreas de transição. A proposta incluiria ações conjuntas de fiscalização, monitoramento de queimadas e controle da expansão urbana.
Sinais de esgotamento
Em 2025, o período de seca prolongada e a baixa umidade ampliaram o número de focos de calor e queimadas, principalmente em áreas próximas às rodovias BR-020 e BR-070. A consequência direta é o aumento da temperatura média, a perda de cobertura vegetal e o comprometimento da fauna local.
“O Cerrado é o coração das águas do Brasil, mas está se tornando o bioma mais vulnerável. A falta de coordenação entre os entes públicos pode custar caro às próximas gerações”, alerta Faria.
Perspectiva
Enquanto o GDF reforça campanhas de conscientização ambiental e monitora queimadas com apoio do Corpo de Bombeiros e do Ibram, o entorno ainda carece de políticas efetivas. O desafio, segundo especialistas, é transformar o discurso ambiental em prática coordenada — e isso depende de vontade política e integração regional.
O Cerrado segue resistindo, mas o tempo é curto. O avanço do desmatamento no entorno de Brasília já não é apenas um problema ecológico — é um reflexo direto da forma como a capital e suas fronteiras lidam com o próprio futuro.